O ESCREVER

26/01/2022 22:36

ESCREVER BEM NÃO É O QUE SE PENSA 

Nem só escritores e jornalistas vivem de escrever. Nas repartições públicas, nos escritórios das empresas e nas escolas, há gente redigindo memorandos, cartas, pareceres, relatórios e redações. A função desses textos é informar, comunicar ordens, obter respostas, orientar decisões, prestar contas. Supõe-se, então, que duas devem ser suas qualidades: clareza e concisão, nomenclatura velha que traduzimos por objetividade e rapidez na comunicação. Classificando com rigor, há dois tipos de redator: o que finca o lápis no papel (ou os dedos no teclado) e espera que o começo caia do teto, e o que "redige bem", na base de vocabulário aprendido em antologias ou fazendo pareceres mudando apenas os dados da "chapa". Há também os que sabem escrever. Os do bloco "o difícil é começar" pecam pela falta de organização do pensamento, decorrente do desábito de leitura e da ausência de preparação específica. Os do outro grupo atrapalham o leitor, que necessita apenas de informação, por procurarem um estilo que os aproxime dos que eles consideram os bons autores. Há diferença (bastante grande) entre língua literária e linguagem informativa. 

A PALAVRA É O PONTO 

A literatura pretende, por meio da palavra, causar um prazer no leitor. Por isso é que na leitura de um texto literário se valoriza a palavra. Mais numas épocas que em outras. Muito no tempo de Vieira, ou no de Bilac, Coelho Neto e Rui Barbosa. Na poesia, onde a intenção do prazer é mais clara, a seqüência vocabular pode não ter nem sentido lógico, vale pelo impacto visual ou pela impressão sonora. Limitando com exagero, poderíamos descobrir duas tendências na prosa de hoje: a dos escritores que procuram prolongar o prazer estético pela dificuldade da palavra - James Joyce, Guimarães Rosa, e a daqueles que, seguindo uma linha que vem do Modernismo, buscam diminuir a distância entre a linguagem artística e a linguagem cotidiana, para tornar a arte mais verdadeira porque mais próxima do povo, origem e fim da arte, segundo pensam. O fato é que, na literatura, a palavra tem vida independente, vale por si. 

A PALAVRA DA COMUNICAÇÃO 

Quando lemos um jornal, não paramos nas palavras para saber se são bonitas, precisas ou sugestivas; o assunto chega ao nosso conhecimento numa relação imediata. O texto informativo é compacto, nós o percebemos como um todo, junto com a idéia. Isto porque a linguagem cotidiana é automática. Da mesma maneira que não pensamos na perna que devemos movimentar cada vez que damos um passo, não escolhemos a palavra na hora de falar. O movimento das pernas já é "conhecido" do cérebro, e se realiza sem que precisemos conscientizá-lo. Da mesma forma, o vocabulário da linguagem corrente é constituído de termos conhecidos. Isto é que nos faz compreender imediatamente o que nos dizem, como se fôssemos direto à idéia e não houvesse a palavra entre a pessoa que fala e a que ouve. O vocabulário corrente está longe de ser a maior parte do léxico. Há uma limitação, embora não haja estratificação. Exceto de certas expressões que se desgastam com o uso excessivo, viram bagaço; ditas a todo momento, nada mais significam. Por isso é que o redator-chefe de um jornal lembre aos focas que "nem toda chuva é torrencial, nem todos os lábios ficam entreabertos, não é todo mundo que se entrega de corpo e alma a determinada tarefa, nem todo olhar é penetrante, etc". É o lugar-comum. 

EXPRESSIVIDADE 

Certas pessoas e alguns escritores têm um modo especial de falar - ou de escrever - que nos atrai e os faz agradáveis. Não é preciso perspicácia maior para perceber que a linguagem deles difere da comum por algum motivo. Eles nos atingem com muito mais intensidade. A qualidade pela qual a linguagem capta de imediato o interesse do leitor é a expressividade. Pode ser a força do detalhe na ironia de Eça, a antítese humorística de Machado de Assis, ou a parentela e a gíria de um Stanislaw Ponte Preta. 

SIMPLICIDADE 

Originalidade na linguagem não significa pedantismo; pelo contrário. A palavra falada é de certa forma incompleta. A mímica, os objetos à vista, as situações que falam por si, tornam a fala econômica, ficando a frase muitas vezes pelo meio, sem que isto comprometa o entendimento. Já a palavra escrita procura modelos. Sua tendência é estar sempre atrasada em relação às necessidades expressivas. Principalmente a cravejada de adjetivos, rechonchuda de advérbios, trôpega de possessivos, demonstrativos e artigos. Os vocábulos de fraque e chapéu coco que se intrometem na comunicação diária - entrementes, alhures, outrossim, consoante, consubstanciar e quejandos - tiram-lhe a atualidade, atrasam a leitura e a compreensão, enchem-na de um ranço incompatível com a dinâmica de hoje. Os telegramas custam caro, as rotativas imprimem o resultado do trabalho de centenas de pessoas, o tempo no rádio e na televisão é medido em cifras: um adjetivo enfeitando aqui, uma conjunção rara mostrando sapiência ali, são desperdício e tornam a comunicação pastosa, tiram- nos o prazer que poderíamos sentir ao ler um relatório. O mundo moderno é muito rápido. A velocidade do presente não admite mais o ornamental na comunicação. A não ser que tenhamos preocupações falsamente artísticas, a redação deve ser simples e objetiva.